segunda-feira, 14 de maio de 2007

Marco Polo às avessas


Em obra recém-lançada, o crítico Pankaj Mishra mostra como os indianos lidam com as influências ocidentais no dia-a-dia

ANGELO SEGRILLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O tema do encontro (choque) entre Ocidente e Oriente fascina as imaginações desde as guerras entre gregos e persas, passando pelo colonialismo, até hoje.
Nos tempos atuais de globalização e possibilidade de a China ultrapassar economicamente os EUA em poucas décadas, o assunto se torna inescapável.
Pankaj Mishra é uma espécie de Marco Polo às avessas: um "oriental" que observa o(s efeitos do) Ocidente no próprio Oriente.
Ele é um relativamente jovem (menos de 40 anos) crítico literário e ensaísta hindu que vem adquirindo fama com um estilo peculiar. Seus livros mesclam narrativas de viagem com ensaios filosóficos sobre as sociedades abordadas.
"Tentações do Ocidente - A Modernidade na Índia, no Paquistão e Mais Além" [ed. Globo, trad. Helena Londres, 440 págs., R$ 39] é uma antologia de textos anteriores seus que se passam na Índia, no Paquistão, Afeganistão, Nepal e Tibete.

Dilemas
Neles o tema subjacente é o dilema que têm esses povos milenares para se modernizar.
O que devem preservar e o que devem mudar?
A escolha se torna ainda mais difícil quando se nota que o próprio termo modernização tende a tornar o Oriente uma espécie de refém do Ocidente.
Modernização é muitas vezes definida praticamente como ocidentalização, ou seja, transformar-se na mesma direção pela qual passou o Ocidente (com urbanização, industrialização, secularização etc.).
Mishra rejeita a idéia de que povos muito mais antigos que os europeus atuais devam simplesmente se refazer à imagem destes. Mas não idealiza o Oriente. Ao contrário, expõe as imensas contradições e mazelas existentes nele.
O maior valor do livro talvez não esteja no grande quadro, mas nos pequenos detalhes. Afinal, esta não é uma obra de sociologia ou história, e sim de histórias.

História em detalhes
Os efeitos da globalização sobre aqueles povos são mostrados por meio das histórias de pequenos personagens concretos que Mishra vai encontrando ao longo de suas andanças: Rajesh, o hindu brâmane decaído que protege o autor em seus anos estudantis; Mallika, a atriz de Bollywood (a "Hollywood" de Mumbai) em dúvida sobre quanta sensualidade poderia mostrar nos pudicos filmes indianos; Jamal, o adolescente muçulmano em processo de decisão para tornar-se um militante da jihad violenta; J. Norbu e L. Tsering, exilados tibetanos que criticam a moderação da oposição não-violenta do dalai-lama à ocupação chinesa no Tibete etc.
São essas descrições da vida cotidiana desses povos (às quais temos pouco acesso na literatura publicada no Brasil) que provavelmente trarão os insights mais instigantes ao público brasileiro.
Os detalhes de como funciona o sistema de castas no dia-a-dia da Índia atual, da mentalidade do tibetano budista comum diante da modernização forçada trazida pelos chineses, dos encontros de jihadistas do mundo inteiro em pequenas cidades do Paquistão e Afeganistão se tornam mais vívidos quando ilustrados em situações concretas.
Apesar do acesso bibliográfico limitado, talvez o público brasileiro possa entender melhor algumas das realidades narradas no livro do que americanos e europeus. Afinal, quando Mishra visita uma favela indiana sem água corrente, mas com televisão e celular, ou quando mostra que na Índia "grande parte da juventude, sem perspectiva de emprego, tem a fixação por empregos públicos como sua salvação" ou que "o movimento para cotas em empregos e universidades para os "dalits" está enfrentando oposição acirrada entre as castas superiores", um brasileiro identifica rapidamente do que se trata.
Sem esperar que Mishra seja um guru, dando resposta definitiva para a questão crucial ("como devem os povos da Ásia se modernizar?"), as histórias/ensaios do livro se revelam importantes para entender o continente que hoje parece representar tanto o mais impressionante passado quanto o mais impressionante potencial de futuro.

ANGELO SEGRILLO é professor de história contemporânea da Ásia na USP, autor de "Rússia e Brasil em Transformação" (ed. 7Letras) e "O Declínio da URSS" (ed. Record).


Artigo disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1305200717.htm>.

Um comentário:

Evandro Castilho disse...

Oi Anna

Sou Evandro, professor de Língua e Literatura. Atualmente faço um projeto de aulas na internet. A idéia é o melhor da internet para educação.

Estava fazendo uma aula para a 7a série e encontrei seu blog. A idéia é fazer uma ponte entre História e Literatura, contando as duas no través das estórias. A primeira estória da História é a dos dois grumetes da frota de Cabral que ficaram por aqui e Marco Polo é somente um eixo interessante para as Grandes Navegações.

Se tiver interesse em conhecer o projeto, mande um email para evandrocastilho@yahoo.com.br

Adorei sua seleção de filmes!
Um abraço
Evandro